COSMOS

O Cosmos é tudo o que existe, existiu ou existirá.

quinta-feira, abril 25, 2024

Façam coisas proibidas!

O 25 de Abril trouxe-nos liberdade e quem como eu nasceu depois de 74 nunca experimentou as proibições do Estado Novo. Eu cresci num ambiente em que ainda se relembravam esses tempos, o medo demorou a desaparecer, mas com a consciência que já não havia PIDE, já não se tinha medo de falar, já não haviam denunciantes, perseguições e castigos.

Tornaram-se banais as coisas proibidas do antigamente, já só em noticias bizarras é que nos lembram que era proibido dar beijos na rua ou andar de mão dada. Mas eram tantas as coisas que não eram permitidas à luz dum estado obscurantista que achava que guardava algum valor maior, proibindo e criando medo sobre as coisas que são normais ao ser humano.

Proibiram dar beijos na rua, andar de mão dada, vender e beber coca-cola ou ter uma opinião livre sobre qualquer assunto. Ajuntamentos ou reuniões de pessoas era algo muito grave e indiciava para o regime que os participantes eram revolucionários, por isso juntar-se em grupos era um grande risco de prisão.

Era proibido casar-se com uma professora sem autorização do ministério e com as pobres enfermeiras ainda era pior, pois escolhiam uma profissão que era equivalente a ser freira. E qualquer mulher casada era uma propriedade do marido, pois viajar para fora do país só com a autorização escrita dele e ai dela que o traísse pois apanhada em flagrante e morta pelo marido era algo que a lei permitia.

Alguém escolhia por nós os livros, filmes, peças de teatro ou discos que podíamos ler, assistir ou ouvir. Coisa extremamente grave, mas se calhar das menos contestadas por uma população mantida na ignorância e analfabetismo. Porque quem nada sabe, nada questiona.

Havia ainda as proibições caricatas, como jogar cartas em comboios ou usar isqueiro sem uma licença.

Vivemos já 50 anos desde esses tempos, duas gerações já se criaram e cresceram com todas estas liberdades garantidas. Mas não esqueçamos, comemoremos o 25 de Abril da forma mais audaz, fazendo as coisas que antes eram proibidas. Dêem beijos na rua, andem de mão dada, não tenham medo de falar nem escrever, vejam filmes e ouçam músicas revolucionárias, tenham ideias disruptivas e perguntem porque não?

Liberdade para sempre! Medo e proibição nunca mais! Viva a liberdade, viva o 25 de Abril. Façam coisas proibidas!

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quarta-feira, março 27, 2024

O Tolo, os cruzados e a alcoviteira.

O teatro, assim como a ciência, são paixões minhas. Parecem disciplinas com origem e fins diferentes, a ciência como fruto de coisas práticas e definidas e o teatro produto da criatividade e da subjectividade, mas têm muito em  comum e foi sobre isso que me dei a reflectir neste dia mundial do teatro.
Um dos talentos mais necessários ao cientista, nome do personagem que busca o conhecimento, é um espírito critico. Observar, reflectir, criar hipóteses e testá-las, sabendo que o verdadeiro conhecimento resiste à experiência. Não basta receber informações de terceiros e aceitá-las como verdadeiras. Em ciência qualquer conhecimento adquirido pode ser revalidado pela experiência e muitas vezes mesmo que os resultados não nos agradem são os verdadeiros.
O teatro age noutro nível da experiência humana, mas também como na ciência um espírito critico é algo valioso. Não falo do critico de teatro que oferece uma apreciação do seu gosto próprio a um espectáculo. Falo da intervenção que o teatro produz no nosso seio social e cultural. O teatro é critico, observa a sociedade e o ser humano, reflecte e faz-nos reflectir, cria uma experiência teatral que nos permite absorver a nossa condição e daí permite-nos testar onde estamos e para onde vamos como indivíduos ou sociedade.
A experiência teatral foi usada ao longo dos séculos para permitir à sociedade evoluir e curar-se a si própria. Sófocles, Molière, Shakespeare ou Brecht apresentaram os problemas do seu tempo (e de sempre) e pelo humor e deslumbramento permitiram-nos olhar para nós próprios, como produtos experimentais, para percebermos o que somos, como reagimos e o que obtemos. O teatro é ciência de descobrir a nós próprios.
Em Portugal tivemos Gil Vicente, dramaturgo genial e hilariante. Gil Vicente foi O critico do seu tempo, observou a sociedade e pôs-nos a rir sobre vícios, criticando costumes e permitindo-nos evoluir para a modernidade. O meu filho estudou recentemente o "Auto da Barca do Inferno" e sentei-me com ele a ler algumas das cenas, tal como 30 anos antes eu próprio a tinha estudado, quando não imaginava eu próprio pisar um palco e viver esta paixão do teatro. E com esse espírito critico a que aludo pergunto-me hoje então, porque é que nesta obra se salvam apenas o tolo e os cruzados? À luz dos nossos dias quem são estes? Pergunta de retórica pois sigo com a resposta, o tolo é aquele que não questiona, que não quer aprender e que vive na ignorância. Por esta definição o tolo é alguém que carece de espírito critico e por este ponto de vista aceita as mentiras, engole as injustiças e não contribui para a melhoria da sociedade. Merece então salvação este tolo? Nova retórica, penso que não, este tolo ajuda a criar o seu próprio inferno. E os cruzados da história? Para Gil Vicente também se salvam, mas quem seriam hoje estes santos? Os cruzados eram soldados que fazem guerra e matam em nome duma fé e dum deus, sendo para eles licita a violência contra quem não partilhe essa fé. Na verdade eram os assassinos na estória do Gil Vicente. À dias um grupo de fanáticos religiosos entrou com armas numa sala de espectáculos e matou mais de uma centena de pessoas que apreciavam arte. Será licito dizer que estes assassinos, que matam por um deus, têm direito ao paraíso? Acho que não. E no outro oposto da estória é condenada a alcoviteira, nome antigo para quem vive da alcova ou cama, chamar-se-ia prostituta nos nossos dias. Esta vai para o inferno e à luz dum espírito evoluído pergunto porquê? Não tem o direito a mulher (ou homem) a usar o seu corpo? Cometeu algum crime, por partilhar calor humano e amor com quem dele necessita?
Não estou com isto a dizer que Gil Vicente estava errado, estou antes a dizer que o que ele fez no seu tempo, devemos continuar a fazer agora. Estou a usar do meu espírito critico para questionar e não aceito as respostas de sempre, apenas porque antes foram validadas. Testo-as novamente. O teatro continuará a levantar questões mas passado séculos ainda há temas por debater ou que ganham uma nova luz. E um espírito critico continuará a procurar sempre as respostas quando exposto a esta experiência do conhecimento humano.
A todos um apelo a que vão ao teatro. Pisem o palco se tiverem esse ímpeto ou aplaudam como espectadores. Vão, descubram-se e aprendam, vivam a experiência teatral e participem no nascimento de uma sociedade melhor. VIVA O TEATRO!

domingo, outubro 29, 2023

A casa onde cresci

 

 
1976 - Eu e a minha avó Gracinda

Eu cresci na casa dos meus avós. Nessa casa viviam comigo os meus pais, os pais da minha mãe, Gracinda e Américo e durante algum tempo ainda o meu tio Azevedo, até este se casar com a namorada de Arões e partir. Nos primeiros anos dormia num berço ao fundo do quarto dos meus pais e assim que me tornei grande para o berço, ou para estar no quarto dos meus pais, fui dormir para o antigo quarto do meu tio, quarto que alguns dias por semana ainda partilhava com ele, pois apesar de casado os tempos eram apertados, as viagens para a serra cansativas e caras e o emprego dele continuava cá. O meu tio foi uma espécie de irmão mais velho, ainda que com idade para ser meu pai, com quem eu dormia 3 noites por semana. Recordo-me que me tratava por algo como “macambúzio”, um nome que era uma espécie de abuso mas também uma espécie de carinho.

Ao lado do nosso quarto, era o quarto dos meus avós, a quem eu durante a infância toda tratei por padrinho e madrinha, pois os meus pais também os escolheram para esses papéis, o que fazia sentido pois além de avós eram uma espécie de segundos pais, padrinhos. Os primeiros anos foram passados nesse micro cosmos que foi a casa e o pátio dos meus avós, Era uma casa rural e por baixo da casa tínhamos vacas, um galinheiro em frente da casa e ainda um elemento exótico numa gaiola grande debaixo da nossa varanda que eram os 2 casais de faisões que o meu tio tinha trazido, segundo me contaram, do seu tempo de serviço militar em Portalegre (que como sabemos é uma terra nativa dos faisões).

As minhas primeiras memórias estão nos anos 80, lembro-me do calendário na sala, que naquele ano de 1982 me pareceu ser um elemento de decoração permanente pois os anos ainda eram longos e tudo estava cheio de novidade. A minha mãe costurava nessa mesma sala e ao lado na cozinha tínhamos a lareira. A minha avó sentava-se em frente à lareira normalmente virada para a sala sempre com a porta aberta, onde ao fundo estava a televisão que nesses anos era ainda um bem de luxo. Tínhamos a sorte de ter televisão, frigorífico e fogão a gás, o que naquele meio pobre que me rodeava me fazia sentir parte de uma elite. Confesso que até ao meio de adolescência quando na secundária conheci miúdos de famílias mais abastadas e até de classe média nunca tinha percebido que era pobre e isso devo aos meus pais e avós que sempre me deram o que era importante e nunca me deixaram sentir carenciado. Os meus luxos eram o colo da minha avó a quem eu procurava junto à lareira e lhe pedia para me sentar e “desaugar” do colo um bocadinho. Acho que até perto dos 10 anos continuei a adorar esse pequeno luxo mesmo quando já era demasiado pesado para as suas pernas.

Toda esta nostalgia foi despertada em mim pelo falecimento da minha avó. Era a última dos meus avós e partiu com 98 anos. A minha Avó e Madrinha Gracinda nasceu em 1925. Nestes anos recentes em que os meus filhos já estudaram alguma história, costumava-lhes fazer a analogia que se Anne Frank tivesse sobrevivido seria mais jovem que a minha Madrinha Gracinda. A Gracinda era uma entre 5 irmãos, o pai tecelão e a mãe lavradora e fiadeira, todos analfabetos. Naquelas primeiras décadas do século XX em Portugal e pelo menos na família da minha avó, a ideia instalada era que mulheres não precisavam de aprender a ler e escrever. O pai analfabeto tinha aprendido uma profissão e criado uma família, trabalhava em tecelagens entre a Covilhã e São João da Madeira, viajando de comboio e sem ser capaz de ler uma placa com o nome da estação onde passava. Se conseguia isso, porque precisaria uma mulher de saber ler? Seria perder tempo diziam eles e só ia servir para ela se perder a escrever cartas para os namorados. Também a minha mãe, noutra geração, foi alvo deste estigma, foi para a escola e aprendeu a ler e escrever até à terceira classe, mas mal lhe nasceu um irmão e a mãe precisava de trabalhar, veio para casa com 8 anos para ser ama do irmão recém-nascido. Quando a Gracinda foi mãe pela primeira vez, estávamos em 1947, nasceu a Glória que viria a ser a minha mãe, viviam em casas antigas no lugar de Carregosa de Baixo, compradas pelo avô da Gracinda ainda no século XIX e os tios e pais dela viviam encostados em casas de pedra, todas agrupadas nesse bocadinho de terreno que tinha sido do avô. A casa onde a minha mãe nasceu era de chão de terra e sem janelas. Naquele ano Portugal ainda vivia o racionamento causado pela pobreza que o tempo da Guerra Mundial e da ditadura trouxeram. A jovem Gracinda de 21 anos tinha sido mãe em casa e depois de ter descansado um dia sentiu que precisava de comer, para poder gerar leite para a sua bebé. Mas não tinham comida em casa e foi à casa de pedra ao lado, onde tinha crescido com os pais e lá encontrou umas côdeas de pão, que recontou-me a minha mãe, foi a sua primeira refeição no dia depois do parto, bebendo uns bons goles de água, a única coisa que era gratuita mas não sem trabalho, pois não havia água canalizada, apenas fontes onde a água brotava e de onde a tinham que carregar para casa. Nos dias seguintes uma das cunhadas veio-lhe trazer a pouca comida que tinha em casa e foi com a solidariedade que sobreviveram. Por esta altura o meu avô era sapateiro em casa, mas as pessoas não tinham dinheiro para sapatos e o trabalho que conseguia era de uma fábrica a 8km em São João da Madeira que lhe dava sapatos para fazer. Ele fazia sapatos em casa e a minha avó acartava à cabeça numa cesta os produtos acabados, carregando para trás mais materiais. Isto a pé, ao longo de estradas de terra e sem iluminação. Quando o meu avô, talvez pela década de 60, conseguiu trabalho na fábrica com um salário certo, todos no lugar de Carregosa de Baixo diziam à Gracinda: “Agora é que vocês vão ficar bem, com tanto dinheiro que o teu homem esfola.”

Assim se passaram os anos, o meu avô que ficou com um dos quinhões dos terrenos do avô da Gracinda, construiu também uma casa de pedra, com 2 divisões de 20m2 no total e aí fez a sua casa própria. Com o passar do tempo e o amealhar lento construíram para cima e aumentaram a área da casa para o dobro. As décadas passaram e quando a minha mãe se casou em 25 de Maio de 1974, um mês depois da revolução, já tinham comprado mais uma casa de pedra ao lado com mais 12m2 e aumentado também para cima, o que levava a casa para uma área útil de 32m2 em cada andar, tendo ainda um pátio com o mesmo espaço da casa. Foi nesta fartura que eu nasci em 1976. Não nasci em casa, pertenci aquela geração de transição que deixou de nascer com a ajuda da parteira em casa e nasci no Hospital de Oliveira de Azeméis.

O meu jardim-de-infância foi nos arredores dos campos enquanto a minha avó apanhava erva ou cultivava. Cheguei a ter uma pequena tartaruga, se calhar era só um cágado, mas nas minhas memórias era uma tartaruga grande e lembro-me de a levar comigo, teria uns 5 anos e brincar com ela nos regos de água dos campos que a minha avó trabalhava, até que um dia a tartaruga foi muito rápida e me fugiu.

Brinquei nos campos, fiz cabanas nos matos, mergulhei nos açudes, explorei terrenos silvados que achava eram selvagens e inexplorados, brincava com bogalhos e fazia bonecos, com os meus amigos que viviam nas casas ao lado, todos descendentes da mesma família, tive aventuras e desventuras, chorei, ri-me, magoei-me, aprendi e sobrevivi. E à noite voltava para a minha casa, para o colo da minha avó, para me “desaugar”, onde viviam quatro adultos e esta criança. Com o passar dos anos o meu pai fez casa própria, não vivi lá muito tempo, casei-me pouco depois e mudei-me, ficaram os meus avós em Carregosa de Baixo. O meu avô partiu quando lhe faltavam 4 meses para os 100 anos. Agora partiu a minha avó e a casa onde cresci está vazia.

quarta-feira, janeiro 27, 2021

Conto de ficção em realidade distópica sem possibilidade de se tornar verdadeira (?!)

 

Vinte quarenta, sinto-me velho. Lembro-me de quando o declínio começou, também nos referíamos ao ano pelas duas dezenas, nessa altura era uma repetição do número, não foi assim à tanto tempo, mas desde aí tanto mudou. A minha geração foi a primeira a ter sido criada na liberdade. É um facto que a nossa infância foi pobre, fruto de um Portugal sem indústria, analfabeto, filho de um regime parecido com aquele que agora nos governa. Mas apesar dessa pobreza, a liberdade e a educação que recebemos deu-nos as ferramentas para criar a riqueza, habituamo-nos ao conforto que a verdadeira liberdade e concorrência criam. Depois, quando veio a pandemia e perdemos esse conforto, levantou-se a voz a apontar culpados. Muitos acharam que os culpados deviam vir dali, nunca poderiam ser os próprios e assim a voz foi ganhando poder.

A voz apresentou-se como líder do Arriva, quem escutava para além do que ela dizia percebeu que a agenda estava nas entrelinhas e não nas palavras proferidas. Ao princípio disparatou em todos os sentidos, atacou estes, aqueles, o poder maior, as minorias, as empresas, as cooperativas e foi percebendo quais as acusações que lhe davam melhor retorno. Percebeu o que as pessoas queriam ouvir e o discurso foi-se orientando nesse sentido, não eram valores verdadeiros, não eram soluções reais, era um indrominar de espíritos que lhe foi fazendo subir degraus na escada do poder.

Os meus filhos estavam a chegar à maioridade quando pela primeira vez aquela voz maledicente chegou ao poder. Não chegou lá sozinho, fez alianças com partidos de verdadeiras pessoas de bem. Não eram as “pessoas de bem” que a voz tanto referia, aliás nunca se soube quem eram essas “pessoas de bem” de quem falava. Todos se identificavam quando o Arriva se insurgia a favor das “pessoas de bem”, achavam que os defendia, nunca perceberam que “pessoas de bem” não são todos e eram ninguém. Como uma gota de veneno que cai numa fonte pura, a aliança rapidamente ficou contaminada, de repente tudo era tóxico e na ânsia de limparem, com as coisas a piorarem, cada vez se esforçavam mais por restringir, por limpar, por sanitizar, os culpados deviam ser “os outros” e começaram a cortar direitos, a restringir liberdades. O jornalismo que serve como termóstato da democracia não se calou, fez o seu papel, e de repente ficamos sem liberdade de expressão, a favor do estado de direito e das “pessoas de bem”, porque os “sabotadores de esquerda” infiltrados no jornalismo não deixavam o “estado de bem” trabalhar.

Queria ter deixado aos meus filhos um país ainda melhor do que aquele em que cresci. Mas não fomos capazes. Antes, o crime menor foi diminuindo, a justiça afirmou a separação de poderes de que necessitava para fiscalizar o poder e isso fez descobrir grandes criminosos escondidos na máquina do estado. Mas ao invés de nos satisfazermos por estarmos realmente a fiscalizar e a identificar os grandes criminosos, a voz gritou: "Os que estão no poder são amigos desses criminosos. Eles encobrem-nos!". O povo revoltou-se e o Arriva infiltrou-se na justiça. Depois apontaram para os pequenos criminosos, aqueles que menos se podiam defender e disseram que era eles os culpados de tudo, disseram que os subsídio-dependentes que não trabalhavam é que estavam a estragar tudo e as pessoas novamente viraram-se para aqueles “culpados”, desviando a atenção de cima, deixando o poder negro enraizar-se.

À medida que eles retiravam apoios das minorias a necessidade e o desespero fizeram aumentar o crime. Foram classes que nunca tiveram privilégios, viviam à margem, em pobreza, mas antes de tudo isto acontecer, graças aos apoios sociais, com garantias de saúde, educação e rendimentos mínimos para subsistirem, tentavam integrar-se, apesar da falta de formação viviam de biscates, mantinham-se acima da linha de água e do crime, alguns até conseguiam quebrar o ciclo e sair da miséria, haviam oportunidades. Mas o Arriva disse que eles eram chupistas, viviam dos nossos impostos, não contribuíam nada para a sociedade e nós não os devíamos manter com o nosso trabalho. O Arriva nunca contou que a maioria dos beneficiários destes rendimentos eram mulheres e crianças.  Mas o povo achou que ia receber mais, ou pelo menos pagar menos impostos, se os chamados chupistas deixassem de ter os subsídios. E as mulheres e crianças, assim como todos os desempregados das minorias, perderam esses apoios. Isso não fez ficar mais dinheiro no bolso dos trabalhadores, lá em cima encaminharam o dinheiro para negócios de armas, diziam que iam aumentar a segurança. Só que não. Mais armas a circular fez com que houvesse mais crime violento nas ruas. As necessidades criaram mais criminosos. E este ciclo vicioso fez a voz do Arriva gritar mais, culpar mais, pintaram alvos em todo o lado e cada vez mais tínhamos medo de sair à rua.

A insegurança, o medo, as dificuldades fizeram sair à ruas os protestos, geraram-se motins, levantaram-se estandartes pelo bem, mas pelo meio queimaram-se automóveis, partiram-se janelas, saquearam-se lojas. O exército foi chamado, a lei marcial imposta e quando tudo pausou as leis endureceram. O governo de extrema direita endureceu as penas, reforçou o braço da força e estreitou a ligação com esse braço. De repente o governo mandava pela força e não pela democracia. Encontravam-se muitos mais culpados e com penas mais longas. O mote era, melhor culpar dez inocentes que deixar escapar um culpado. Engraçado como ninguém viu antes que o suporte financeiro do Arriva vinha de quem vendia armas.

Depois deste período já é história o que se sucedeu até chegarmos aqui, voltou a prisão perpétua, a pena de morte, criminalizaram o consumo das drogas, proibiram o aborto, controlaram fronteiras, limitaram o ensino e o acesso a ele, instituíram a propaganda nas escolas e nos meios de comunicação… curioso como com penas mais fortes não reduzimos o crime. Com a criminalização das drogas não se reduziu o tráfico.  Com a proibição do aborto a mulher e as crianças não deixaram de sofrer. Com o controlo das fronteiras não resolvemos nenhum problema de Portugal, nem do mundo. Com o ensino e os média controlados e censurados não melhoramos os valores das pessoas.

Tudo isto já aconteceu, tudo isto é passado, agora é tarde demais para mudar o que a história já fez acontecer. Se ao menos tivéssemos percebido tudo isto à 20 anos atrás, antes do Arriva chegar ao poder…

quarta-feira, março 21, 2018

Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidencia

FAÇAM PANTOMINICES! – Berrou o rei que tinha herdado o trono há poucos meses e apesar de toda a sua vida enquanto príncipe já ter sido mandão, queria agora como rei mostrar que sabia mandar.
E os anões saltimbancos, habituados a agradar e a não serem abusados, fizeram o que o rei lhes ordenou, cantaram e saltaram, entretiveram e animaram até acharem que tinham agradado e feito um bom trabalho . Após o seu número os anões voltaram para o seu palhácio satisfeitos. O palhácio era o aposento dos anões saltimbancos onde eles viviam e ensaiavam.
Mas o rei, que temia não ser obedecido por todos, foi passear pelos corredores do palhácio a ver se escutava ou via algo contra ele. Ninguém queria mal ao rei, pois os anões já tinham conhecido antes outros dois réis e sempre tinham vivido em paz. Os anões faziam pantominices para alegrar os reis e estes ajudavam os anões dando-lhes melhores condições no seu palhácio. Havia confiança e entreajuda nesse tempo. Claro que os anões não tinham feito nada de mal, mas como em qualquer casa haviam caixotes do lixo cheios, ou lamparinas acesas em salas vazias e o rei aproveitou essas falhas para exercer o seu poder sobre os anões repreendendo-os e fechando-lhes o palhácio à chave deixando-os de fora.
Mas não lhes explicou as regras e os anões ficaram sem saber em que falharam e que regras deviam seguir para não falhar novamente, por isso os anões para se defenderem enviaram uma mensagem ao rei pelo anão Emílio que era pequeno e rápido. Mas o rei não respondeu durante muito tempo o que deixou todos intrigados e assim começaram  a levantar-se perguntas pelo reino. O rei apercebeu-se que estava a haver falatório e com receio de que fosse mal sobre ele, fez rapidamente um decreto e publicou partes dele em lugares públicos por todo o reino e mais além. E chamou os anões saltimbancos ao seu castelo para falar com eles.
Os 3 representantes dos anões, o Mestre, o Dunga e o Espirro foram reunir-se com o rei, mas este com medo de perder a vantagem, ainda que os anões fossem pequeninos e ele tivesse o poder todo, disse:
-Só me reunirei com um de vocês!
E o Mestre foi para a sala do trono enquanto o Dunga e o Espirro ficaram à espera jogando ao pau e pedra em linha. Quando a reunião terminou o Mestre vinha desanimado e sem soluções e por causa disso muitos anões tiveram que voltar a viver em casa dos pais e sendo essas casas longe esses anões nunca mais voltaram ao palhácio.
Os anões reuniram-se então em assembleia e depois de todos conhecerem as posições do rei e ao fecho do palhácio decidiram que tinham que continuar a fazer as coisas que mais gostavam e se não o podiam fazer com o rei e para o rei, fariam-no para o povo e com o povo. E assim os anões foram para fora das muralhas e continuaram a  fazer as coisas que gostavam para pessoas que gostavam deles. E quem perdeu foi o rei!

Moral da estória:  Quando não conseguimos encontrar semelhanças com a realidade é porque o absurdo só pode ser ficção, imaginem se não fosse!

sábado, novembro 26, 2016

A propósito do falecimento de Fidel Castro

Ditador sanguinário para uns, herói para outros, Fidel foi um ícone incontestado. Nenhuma campanha de agência com pensadores pagos a peso de ouro, podia conceber a imagem, o carisma que Fidel nos transmitia.
Podia não ser um homem bom, no sentido em que não tinha sangue nas mãos, mas certamente que era um homem com uma crença profunda, que acreditava num caminho, com uma visão e força para a implementar.
"Com grande poder vem grande responsabilidade"... As estórias de heróis ensinam-nos isto, Fidel viveu essa história. Ser bom ou ser mau, depende dos resultados e do ângulo de que observamos esses resultados. Não há Homens apenas bons, apenas Homens. Há pessoas com virtudes e defeitos que quando escalados para uma posição de grande poder e repercussão, causam muito bem e muito mal. Fidel esteve lá, "Saw that, done that."
O século XX foi o século de Fidel. Quando a história futura se lembrar desse século e o tiver que resumir a umas poucas imagens, a foto de Fidel com o seu charuto estará lá.
Foi o lider de uma ilha que tem o nome de Cuba, que contam os boatos terá sido levado pelo seu descobridor da aldeia de onde terá nascido no Alentejo. Fidel gostava dos Portugueses. Ainda que com toda a renegação que lhe demos... Chamamos-lhe tirano, sanguinário, comunista (esta última não é propriamente insultuosa, apenas para mentes pequenas e minadas) e mesmo assim ele gostava de nós. Revia talvez o espírito cubano nesta ponta da Europa. O ser afável, de coração mole e grande, pobres mas disponíveis.
Fidel deixou-nos em 2016. Talvez seja finalmente o último suspiro do séc. XX, que conseguiu entrar 16 anos para dentro do séc XXI. Agora que nos libertamos disto e Fidel passou à História olhemos em frente, temos um século novo para criar ícones e heróis. Mas carismáticos, de quico, charuto e barba como este nunca mais...

sábado, março 26, 2016

O dia só pode melhorar...

Hoje o dia só pode melhorar... Começou com tentar tirar da cama e pôr pronta a filha pré-adolescente para ir para o seu ensaio da banda... Tarefa já dificil, mas com a minha "habitual" estâmina consigo tê-la pronta quando ainda faltam 2 minutos para a hora. Agora é só entrar no carro e nesses 2 minutos tenho-a na banda... Chaves do carro? Chaves do carro?! Desapareceram.... Será que a minha esposa levou todos os chaveiros para o trabalho? Talvez, mas agora só volta às 14:30... Não há problema, vamos a pé... São só 10 minutos a pé... Está a chover? E então? Levar o saxofone de 10Kg na mão... Só atrapalha um bocadinho.... O problema é que levar guarda chuva numa mão e instrumento na outra não dá... Não faz mal, a chuva é miudinha... E já vamos a metade do caminho... Ainda só estou a bufar um bocado e o orvalho nos óculos é fininho.... Pronto já me doi um bocadinho os braços, carregar o instrumento, empurrar constantemente a miúda para ela se despachar, mas chegamos finalmente.... Agora entramos.... Espera lá, está tudo fechado... E já passam 20 minutos da hora... Se calhar hoje não há ensaio... Pronto vamos fazer tudo de novo para trás, a pé, com o instrumento nas mãos, debaixo da chuva, a empurrar a miúda para ela se despachar... O dia só pode melhorar...

quinta-feira, janeiro 14, 2016

ping fernando.human:1618



Hardware layer: 

HEART, BRAIN

Datalink Layer: 

ARTERIES, SPINAL NERVES

Network Layer: 

PULSE, SYNAPSES

Transport Layer: 

BLOOD, QUEMICHAL TRANSMISSORS, ELECTRICAL SIGNS

Session Layer: 

ACTIONS, THOUGTS

Presentation Layer: 

LANGUAGE, WRITING

Application Layer: 

LIFE



quarta-feira, setembro 09, 2015

Raio de Merda


Entro numa fase da minha vida em que a emoção desapareceu, de repente o meu mundo ficou cinzento.
Pode ser apenas uma fase passageira, uma transição por uma pequena depressão, mas também pode ser o inicio do resto da minha vida.
Não quero dizer que tenha perdido o interesse em viver, ou deixado de amar, na verdade sinto que  amo mais do que nunca. O casamento e os filhos ensinaram-me o conceito do amor profundo e a minha vida tem um propósito.
O que perdi foi o brilho e o deslumbre pelo mundo, pelas brincadeiras, por fazer coisas novas. Perdi a magia da infância.
Alguns dos meus amigos podem pensar: "Até que enfim!"; Se calhar era suposto isto de me tornar adulto ter já acontecido há anos... Mas parece que só agora sinto isto. Será talvez o estágio para a meia idade?!
Por um lado a seriedade tem uma importância grande e que nos ajuda a proteger os que amamos. Por outro lado é um pouco triste a criança em nós morrer... È uma morte aos bocadinhos...
Isto ocorreu-me quando terminei o Ciclo Paper deste ano. Não houve magia durante o dia que costumava ser o mais maravilhoso do ano para mim. Não houve magia na entrega dos prémios. Na realidade até me senti desconfortável nesse fim de semana, como se houvessem olhos que me acusassem de não fazer o que devia... Como se tudo o que fiz não fosse suficiente... E senti-me angustiado quando no passado me sentia feliz.
Talvez seja apenas a repetição do mesmo, talvez a repetição tire toda a côr aos acontecimentos por tanto os experimentarmos... Talvez se parasse de fazer o mesmo, ano após ano e fizesse algo novo a magia voltasse. Sei lá, organizar um geo-Paper, um face-Paper, ou algo completamente diferente como aprender a andar de patins em linha...
Ou se calhar, independentemente do que faça, nada mais mude. Talvez seja esta a fase da vida em que entro e da qual não mais saia. A fase da idade média, sem brilho, sem côr, em paz, mas sem júbilo.
Talvez seja tempo para dar lugar aos jovens e começar a aprender a fazer coisas de velhos. O que fiz já deixou algumas marcas e gostava de deixar uma herança, mas isto da meia idade é uma treta, pois é muito cedo até para deixarmos uma herança.
Que raio de merda. Sou novo demais para ser velho, mas velho demais para ser novo!

sexta-feira, agosto 28, 2015

Ipsum Factus



Hoje já contei este episódio 3 vezes e de todas as vezes as pessoas se riram, se de mim ou comigo, não sei, mas achei que era suficientemente divertido para partilhar e distribuir mais algum riso. Ainda que uma regra do humor parece ser rirmo-nos da desgraça alheia, ainda que a desgraça só seja alheia para vós, é sobre mim e não é um grande desgraça. Mas eis o que aconteceu, como aconteceu:
Estas últimas noites tenho andado bastante ocupado com a organização do Ciclo Paper, evento que tenho que organizar à noite, pois durante o dia tenho que trabalhar. As tarefas do Ciclo paper vão desde contactar pessoas, a pintar materiais, a experimentar jogos.
Ontem à noite estava a enviar SMS's aos colaboradores, e como aos nabos tudo acontece, o telemóvel bloqueou-me a enviar um SMS. Disparatei, queixei-me, carreguei nos botões os seis segundos da praxe e como ele não reagia, lá lhe tirei a bateria e reiniciei-o à bruta. Mandei os  SMS´s que tinha que ser e abandonei o telemóvel na mesa de trabalho, pois fui convidado para experimentar uma prova espectacular que os meus colegas tinham estado a montar. Quando nos divertimos as horas correm e quando dei por ela tinha colegas da organização a dizer que tinham que se ir embora que já passava da meia noite. Tentei-me apressar e também rumei a casa.
Chegado a casa, tarde, tenho fome, há que fazer uma sandes, deixa ver o que há, queijo e misturo com molho de camarão, maravilhoso.... Só é pena que ainda tenho fome.... Deixa ver mais uma bananinha. Que bom! E para terminar antes de ir para a cama só um iogurte e já agora uma gelatina que não engorda... Olha ali uma bolachinha fora da caixa, molinha, como eu gosto... Estou satisfeito, horas de ir para a cama. Deixa ver o que está a dar na televisão. Sento-me no sofá... Que fixe está a começar um episódio do Mentalista. è rapidinho só demora 45 minutos... Acho eu...
Pronto acabou o Mentalista, parece que vai ter continuação, mas tenho mesmo que me ir deitar. Tão grogue que estou que vou aos tropeções para a cama... Tiro a roupa, atiro-a para o chão, pouso o telemóvel na mesinha de cabeçeira e toca a adormecer... Mas nunca mais adormeço... Na cama perdemos a noção do tempo e após o que pareceu uma eternidade no escuro, ouço o telemóvel a vibrar... Alguém a enviar-me um SMS a esta hora? Pego no aparelho, viro o ecrã para a minha cara e a primeira coisa que vejo são as horas: 3:25 da manhã.... Quem ca... é que me manda um SMS ás 3:25 da manhã?!  Tenho que dormir!
Convém dizer que o meu despertador para o trabalho é o próprio telemóvel, tenho-o programado para as 7 menos 10m que me dá tempo mais que suficiente para chegar ao trabalho cujo horário começa às 8:00. E mesmo quando me atraso um pouco, como só demoro 5 minutos a fazer o trajecto casa-trabalho, consigo estar lá sem grandes atrasos. Mas nesta fase já só tinha um pouco mais de 3 horas para dormir...
Finalmente adormeço, mas o sono tem também aquela propriedade do tempo passar instantaneamente e mal adormeço, ainda no escuro lá está o telemóvel a berrar, o som do despertador chama-se Einsteiniano, mas deve ser o som que o Einstein fazia de manhã quando acordava mal disposto, porque o berreiro tira-nos mesmo da cama. Eu atrapalhado salto com o corpo para cima, sem saber muito bem o que precisava, apenas que tinha que ir... Ao que a Mafalda que vai trabalhar mais cedo 1 hora e ainda ao meu lado me diz: "É muito cedo, falta uma hora..." E eu penso para mim: Rais'parta o telemóvel que voltou a ficar no fuso horário de Espanha e está a despertar 1 hora mais cedo, mas o que digo para a Mafalda é: Que bom, posso dormir mais... E deito-me...
Entretanto acordo com um beijo de despedida da Mafalda que está de saida e a partir daqui tenho que me manter atento às horas pois após ela sair eu tenho que me preparar passado pouco tempo... Por isso vou estando de olho no telemóvel e quando me apercebo que ele já marca 8:20 (o desgraçado está na hora de Espanha e por isso são 7:20) há que despachar, casa de banho, lavar-me, barbear-me, vestir-me, corro muito e verifico que são 7:45... Apertado mas já estou pronto e só levo 5 minutos a chegar ao trabalho...
Vou para a carrinha, ponho-a a trabalhar e arranco. Mal entro  na estrada noto logo que ainda é Agosto, não há ninguém nas estradas. Enfim as minhas férias já acabaram há uma semana... Vou para a autoestrada, na qual só tenho que fazer 2 quilómetros e olho para o relógio da carrinha que neste momento me mostram ser: 7.17? 7:17? Mas que car...? Afinal o telemóvel  não estava na hora de Espanha, estava mesmo desacertado e mais de uma hora... Nisto é que começo a reflectir, e vejo que ando a correr para não chegar atrasado, quando a primeira vez que ele tocou deviam ser 5 da manhã... Rais'parta a sorte... Bem pelo menos chego cedo. Estaciono na empresa, parque vazio, óbvio e bem-me à cabeça que se calhar quando abandonei o telemóvel ontem à noite alguém me decidiu pregar uma partida e decidiu adiantar-me a hora... Quem teria sido o tratante? Vamos a um cafézinho... Máquina do café, 30 cêntimos, sai o café e enquanto o saboreio calmamente, ponho-me a olhar para o visor do telemóvel e constato que ele assinala a data 1 de Janeiro de 2009... Fds... Fui eu que me atraiçoei a mim próprio quando lhe tirei a bateria e ele passou imediatamente das 22:20 de Agosto de 2015 para as 00:00 do dia 1 de Janeiro de 2009...
Sete e um quarto da manhã e eu na empresa para começar a trabalhar às oito... Pelo menos tenho tempo.