A primeira coisa
que me ocorre é que o teatro é arte. Mas o teatro é muito mais; o
teatro é o mundo num palco, é um sentimento verdadeiro que passa
por fingido, é um desabafo sabendo que nos ouvem, é poder chorar,
rir e fazer coisas humanas que preciso fazer e não consigo, é ter
calor de uma família maior, são os amigos que temos no palco e
fazemos fora dele, é a repetição ensaiada da vida até que o plano
dê certo. Tudo isto e muito mais é o teatro.
Mas para mim o
teatro é ainda divã de doutor, onde me deito, relaxo e me liberto.
Onde colocando a máscara sou autêntico. No teatro eu posso ser
louco, como sou, e encontro a sanidade. No teatro eu confesso
verdades profundas do meu ser, expurgo-as cá para fora, livro-me do
mal que me corroí e fico sem mácula.
O teatro é também
um tubo de ensaio, um laboratório e universidade. Onde o inventor e
cientista em mim pode experimentar. Crio a acção e observo a
reacção. Posso fazer experiências sociais. Posso testar as minhas
capacidades e as do mundo. Questiono o meu igual, registo a resposta
e aprendo sobre mim. A experiência teatral vive da mistura do
diálogo com a acção, da situação com a emoção, num cenário
controlado debaixo da iluminação que cada acontecimento da vida
merece. O teatro levanta a hipótese do que o mundo é, gera a teoria
e prova com certeza a tese.
Tudo isto é teatro
para mim. Mas o teatro não é só para mim. O teatro é para o meu
igual, que ora usa o titulo de actor, ora de técnico, ora de
público. O teatro é para todos estes. E todos podem ser estes.
Para o espectador o
teatro permite-lhe assistir ao sonho estando acordado. O sonho que
foi escrito, encenado e representado por outro. Para ele o teatro
faz-lo sentir a emoção, a alegria e o riso, o choro e a revolta,
dá-lhe a oportunidade de criticar o bem e o mal, de o observar de
fora, ensina-lhe a moral e o escândalo, dá-lhe a escolha de qual
quer ter e ser. O teatro demonstra a virtude e o defeito, apresenta o
demónio e o anjo, o efeito e a consequência.
O teatro é ainda
uma família. Uma família global tão grande que nem é possível
conhecer, mas também uma irmandade local com quem vivo aventuras,
verdadeiras no palco e verdadeiras cá fora. Com quem bebo, com quem
debato, com quem ensino, com quem aprendo. São irmãos com quem
partilho quartos, sofás e refeições... São as pessoas que me
acompanham a sítios novos, que se se abrigam comigo da chuva e
partilham o sol.
Tudo isto é
teatro, mas teatro é ainda mais.